quinta-feira, 17 de junho de 2010

Aspectos pedagógicos


Inicialmente abordados os objetivos do programa e os conceitos neles registrados, o documento prossegue buscando explicitar os eixos estruturantes e os princípios da linha pedagógica do Programa Escola Aberta.

Essa explicitação considera que as oficinas são, mais que momentos de apropriação de saberes, oportunidades para educar, para promover reflexões sobre valores importantes para a convi-
vência tão perpassada por diferenças nem sempre bem administradas pelos grupos sociais.

Definir a proposta pedagógica e os eixos estruturantes do Programa Escola Aberta implica refletir sobre os objetivos e a intencionalidade político-pedagógica da ação educativa social proposta.

Não fazê-lo pode significar a permanência no âmbito do pensamento espontâneo e do saber fazer desprovido de reflexão, impedindo a articulação da prática com a teoria que lhe garante o senti- do.

O programa busca contribuir para a formação da cidadania e a paz social, mediante a inclusão e a formação profissional inicial dos jovens e de outras pessoas moradoras das comunidades em situação de vulnerabilidade. Embora não garanta a colocação no mercado de trabalho, o desen-
volvimento de uma habilidade contribui para a construção de uma imagem positiva de si e aumenta as chances de obtenção de um complemento da renda familiar.

Perceber-se como cidadão detentor de valor, capaz de contribuir para a sociedade, de apropriar-se de um saber profissional e de prover o próprio sustento, promove o desenvolvimento da auto-estima dos indivíduos, oferecendo alternativas à delinqüência e à transgressão das normas de
uma sociedade da qual se sentem excluídos.

Ao lado disso, a proposta permite que seja feito um aporte da tese da “desescolarização” da sociedade, no sentido de se valorizar os saberes da comunidade e o reconhecimento de que a aprendizagem ocorre freqüentemente nas trocas sociais, de maneira informal, assistemática, no tempo de lazer que é o tempo propício à criatividade. Estão implícitas a denúncia da
burocratização das relações sociais e das deficiências da escola e a busca de superar-se a concepção segundo a qual só a escola ensina, só o que se aprende na escola (de maneira formal) é
válido para a vida.

Ivan Illich (1973) afirmou que a educação só seria democrática se realizada fora da escola, por meio da disponibilização a todas as pessoas, de espaços como bibliotecas, laboratórios, jardins botânicos bem como de máquinas, computadores, entre outros recursos.

Além disso,o autor propunha o fim daquilo que ele denominou monopólio profissional, garantindo a qualquer pessoa o direito de ensinar ou exercer o talento conforme a necessidade da sociedade.
Preconizou a substituição da escola por “redes espontâneas de ensinar-e-aprender” e apresentou um convite a “que desapareçam o professor perito, a avaliação, a diretividade, o diploma, a presença obrigatória, os pré-requisitos de entrada, os programas pré-estabelecidos...”.

Conforme Libâneo (1985),seguindo a linha dessa proposta, no Brasil, na década de 80, o
escritor Miguel Arroyo Gonzales criticou o esforço para escolarizar os trabalhadores, dizendo que a mensagem implícita era “não há salvação fora da escola”.

Entretanto, a tese da desescolarização carece de uma análise mais profunda da função da escola na vida das classes populares. Para Gramsci apud Mochcovitch (1988), intelectual e ativista político italiano, o ser humano necessita da educação para ser livre; essa libertação (intelectual, moral e social) significa a superação da divisão da sociedade em classes sociais antagônicas e se efetiva a partir do acesso aos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados e da formação do indivíduo como sujeito de seu próprio destino histórico.

A escola, então, é o local em que devem se articular o saber e o fazer, a produção intelectual e o saber advindo do ambiente social; lugar, portanto, em que se questiona criticamente os
modos de pensar, agir, sentir e atuar.

Gramsci considerou que a cultura de massa é ambivalente, apresentando-se, a um só tempo, como elo saudável entre as pessoas e risco de visão fragmentada de mundo. Embora reconheça
pela escola, mas também pela família, pelas instituições culturais, por associações diversas e pela mídia, o filósofo italiano considerou que o sentido pedagógico se faz mais evidente na
escola e que esta deve ser contextualizada à dinamicidade econômica, social, cultural e histórica da sociedade.

A escola é, portanto, a um só tempo, lugar de ensino e difusão do conhecimento, instrumento para o acesso das camadas populares ao saber elaborado e meio educativo de socialização
no mundo social adulto.

Não se pretende, com a apresentação desses argumentos, afirmar que o Programa Escola Aberta tenha cunho eminentemente pedagógico, que interfira diretamente no processo de ensino e aprendizagem que ocorre nas aulas regulares das escolas públicas, uma vez que as oficinas são
realizadas nos finais de semana, os coordenadores escolares são pessoas ligadas à comunidade, os participantes das oficinas nem sempre são alunos da escola e que os chamados “oficineiros” não são, obrigatoriamente, professores.

Entretanto, o programa contribui para uma ressignificação do espaço escolar e para o enrique-cimento da concepção de escola elaborada pelos sujeitos envolvidos quando abre suas portas à comunidade no final de semana para atividades que não sejam necessariamente vinculadas às disciplinas, possibilitando aos professores e alunos vivenciar o ambiente escolar de uma forma
mais livre das imposições curriculares e valorizando as características culturais e as demandas da comunidade.

A escola tem a oportunidade de atualizar, assim, a sua potencialidade como lugar da alegria cultural, como propunha George Snyders (1988):
  1. A alegria que resulta do contato com as realidades da sociedade, do ser humano e do universo,
  2. Da construção da solidariedade por meio do acesso à cultura elaborada em sua relação dialética com a cultura de massa.
Assim, a proposta do programa não prescinde do espaço em que se dá a instrução instituciona-
lizada que estimula o desenvolvimento a partir da construção coletiva do conhecimento, mediada pelos instrumentos resultantes da história humana.

Reconhece, entretanto, o valor das trocas sociais para a construção do conhecimento, o que precede e extrapola as paredes escolares.

A partir da leitura de Vygotsky (1984) depreende-se que o patrimônio material e simbólico da humanidade consiste no conjunto de valores, conhecimentos, sistemas de representação, construtos materiais, técnicas, formas de pensar e de se comportar que a humanidade construiu ao longo de sua história.

Nesse sentido, a proposta do Programa Escola Aberta de valorizar os talentos locais das comu- nidades envolvidas, trazendo-os para o espaço escolar e disponibilizando-os para os moradores do lugar, expressa respeito pela heterogeneidade, pela diversidade presente em qualquer grupo humano, amalgamando diversas histórias pessoais, diferentes níveis de conhecimento, experiências profissionais e valores.

Um outro aspecto do programa é a relação com a questão dos direitos humanos. Longe de ter a pretensão de solucionar problemas estruturais do país, busca-se contribuir para que as pessoas envolvidas nas ações do programa percebam-se como sujeito de direitos, requisito do exercício da cidadania.

Pressupõe-se que a apropriação do espaço escolar pela comunidade e a abordagem de temas variados, relacionados à realidade concreta do cotidiano, promovam uma postura de valorização da própria identidade, de defesa dos direitos conferidos pela ordem jurídica vigente e do desejo de participação na busca de criação de novos mecanismos que contemplem direitos ainda não considerados.

A escola, espaço socio- político, é o ambiente adequado para a transformação da convivência em prática de direitos, onde cada um se valorize e respeite o outro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza, em seu artigo XXVI, que “A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.”

Além disso, no artigo XXVII, afirma que “Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus
benefícios”.
As atividades do Programa Escola Aberta estão em consonância com esses ideais, uma vez que acolhem as expressões da comunidade, estimulando a convivência pacífica, a aceitação do outro com suas características, além de promover a socialização do conhecimento e dos valores culturais.

A partir do acima exposto, há a percepção de grandes temas que, dado o seu caráter transversal em relação às áreas de atuação do programa, constituem a proposta dos seguintes eixos estruturantes:

  1. Educação
  2. Cidadania
  3. Inclusão social
Assim, a proposta que aqui se apresenta é fundamentada nas seguintes considerações que serão apresentadas na próxima postagem.

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